Propor
uma reflexão sobre a questão indígena no Brasil implica, num
primeiro momento, retomar a sua história desde os primórdios da
colonização, sem nos esquecermos, no entanto, que o marco 1500
sustenta a tese sob o olhar europeu. A história das populações
indígenas antecede a milhares de anos esta data. Assim, salienta-se
o processo de imposição dos colonizadores diante destas populações.
A terra, o ar, o sol, o rio, elementos sagrados para os índios, como
ainda hoje para os poucos que restaram, representavam, e representam,
a sua história, a sua pele. Para os colonizadores, diferentemente,
no contato com a "nova terra", o significado estava naquilo
que poderiam retirar de lucrativo para o mercado europeu.
Guiucci
(1993) questiona o quadro épico apresentado pelas gerações de
historiadores para se pensar o contato entre portugueses e os nativos
brasileiros. Em nossa história, os interesses comerciais falaram
mais alto, delineando ações, cujo teor foi expresso na imposição.
Por outro lado, para não cair no discurso do vencido, também em
alto e bom tom ecoaram as resistências dessas populações, fossem
através do conflito direto com o colonizador, ou mesmo recusando-se
ao trabalho forçado e à subserviência a partir do sacrifício de
suas próprias vidas, sem contar nas inúmeras outras formas de luta.
No
contato inicial entre populações indígenas e os colonizadores, a
denominada "civilização" sequestrou e, nas palavras de
Guiucci, "massacrou o rapto", ocultando a relação de
poder e os meios de coerção através do falseamento de seus
valores. Durante o século XVI, ainda segundo este autor, a América
constituiu-se no "espaço geográfico privilegiado da destruição
das culturas autóctones e da escravidão dos indígenas, bem como do
lucrativo tráfico de negros africanos para as plantações e minas
do Novo Mundo". (1993, p. 38)
Diante
disso, discutir a questão indígena na atualidade, requer
necessariamente uma análise crítica do processo de violência dos
nossos primeiros séculos, presente ainda hoje numa forma camuflada
de "encobrimento", ou seja, na denominada democracia e,
muitas vezes, na própria interpretação estabelecida por alguns
historiadores ao tratarem da temática em questão.
Referindo-se
à escravidão indígena e negra no Brasil colonial, Prado Júnior
(1975) utilizou termos como "povos bárbaros e semi-bárbaros",
assinalando que as contribuições culturais dadas por essas
populações para a formação brasileira foram, praticamente, nulas.
Enquanto "energia motriz", "força física",
segundo este autor, deram a sua contribuição, sendo os pilares da
produção colonial, particularmente o negro, entretanto,
restringiram-se a isto.
Numa
tentativa de desnudar este "encobrimento" da história,
caberia questionar a afirmativa de Caio Prado, haja visto a violência
que ela encerra ao negar estas populações enquanto sujeitos. Muito
além da "energia motriz", da "força física",
os índios e os negros contribuíram para o tecido multifacetado de
nossa história; tecido oriundo de dor, mas também da festa, como
assinala Martins (1993) ao dizer que a nossa América Latina é
trágica, mas, ao mesmo tempo, é divertida, e é preciso entender
esta contradição, pois sem entendê-la não entenderemos nada.
Violências
de toda ordem, além da negação de sua identidade, marcaram a
história destas populações. Nesta perspectiva, Amador N. Cobra, ao
discutir a ação do "desbravador" face ao indígena, no
discurso do século XIX, tendo como eixo de análise a região do
Vale do Paranapanema, Estado de São Paulo, observa: "encontrando-se
com as índias, a umas aprisionavam, a outras matavam, bem como aos
indiozinhos, aos quaes conta-se que chegavam a levantar do chão ou
da cama, atirá-los para o ar e espetá-los em ponta de faca; outras
vezes, tomá-los pelos pés e dar com as suas cabecinhas nos paus,
partindo-as. As índias grávidas rasgavam-lhe o ventre e depois de
finda a carneficina, amontoavam os cadáveres sobre os quaes lançavam
fogo bem como aos ranchos". (1923, p.141)
Diante
da exposição, cabe ressaltar este cenário enquanto uma constante
na história das populações indígenas. Esta violência
circunscreveu o histórico da região do Vale do Paranapanema. É
preciso observar, todavia, que ela se fez presente em todo o Brasil,
desde o período colonial. Mas, se houve a violência, houve também
a resistência. Reconstituir este painel é papel fundamental do
historiador, na medida em que, ao desnudá-lo, torna-se possível
"descobrir" que estas populações são fazedoras de
história muito aquém da noção instituída pela historiografia
oficial, qual seja, a de meras receptoras ou vencidas.
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